Em uma sociedade que o autocuidado acaba sendo mais um item na lista de coisas que sentimos culpa por não fazer, relembramos aqui que a origem do termo vem de um lugar bem diferente.
O autocuidado percorreu um longo caminho até se constituir em sua versão do anos 2020. Ele tem duas principais origens: a assistência à saúde e a justiça social. Sua história é fascinante e ajuda a compreender por que o falso autocuidado ocupa o espaço amplo que conquistou hoje e por que continua se expandindo.
Na década de 1950, a psiquiatria usava o termo “autocuidado” para descrever o modo como pacientes institucionalizados podiam afirmar sua independência assumindo o controle de sua alimentação e praticando atividade física. Nos anos 1960, profissionais de enfermagem e medicina falavam de sua própria necessidade de autocuidado em resposta ao estresse traumático secundário.
Nos anos 1970, o movimento do autocuidado passou da comunidade da saúde aos círculos ativistas quando o partido dos Panteras Negras começou a promover o autocuidado como uma maneira das pessoas negras preservarem sua humanidade diante do racismo sistêmico dos Estados Unidos. Foram as mulheres negras que atualizaram o conceito no discurso público.
Audre Lorde desenvolveu essa ideia conceituando o autocuidado como um ato poderoso para reivindicar espaço em uma sociedade que exigia que minorias e grupos oprimidos se mantivessem pequenos ou invisíveis. O autocuidado de verdade se baseia na noção de que, quando implementado de forma autêntica, tem o potencial de transformar o sistema.
CUIDAR DE MIM MESMA NÃO É AUTOINDULGÊNCIA, É AUTOPRESERVAÇÃO, E ISSO SIM É UM ATO DE GUERRA POLÍTICA
– Audre Lorde em Uma Explosão de Luz, de 1988]
Nos anos 1990, quando a economia da assistência à saúde mudava nos Estados Unidos, profissionais da área começaram a encorajar pacientes com condições crônicas como diabetes e pressão alta a assumir a responsabilidade por sua saúde, em vez de serem receptores passivos de tratamento. Pesquisadores descobriram que o autocuidado na forma de atividade física, alimentação saudável e controle de estresse estava associado a melhora na saúde.
O autocuidado como uma suposta cura, tal qual o conhecemos hoje, evoluiu em conjunto com um mundo cada vez mais conectado. Com a popularização dos smartphones e um ciclo de notícias de 24h, vimos crescer a necessidade paralela de um bálsamo para a sobrecarga de estímulos. Ele se transformou em válvula de escape, para dar uma sensação momentânea de que tudo estava bem.
Nos anos 2010, o termo “autocuidado” explodiu nas redes sociais e se inseriu na vida cotidiana das mulheres. Quanto mais disfuncionais e fora de controle as estruturas sociais se mostravam, mais as redes sociais se enchiam de fotos de mulheres aparentemente levando uma vida maravilhosa em algum lugar paradisíaco.
Segundo Pooja Lakshmin, autora do livro Autocuidado de verdade, houve uma explosão do que a psiquiatra chama de falso autocuidado e o status dos tratamentos em saúde mental. Muitos dos sintomas se cruzam, porém para cuidarmos do segundo é preciso tempo e dinheiro, e para o falso autocuidado as soluções parecem mais simples e atrativas.
Chegou a hora de uma nova evolução da definição do termo: um olhar mais profundo, voltado para dentro, e o desenvolvimento de um método interno confiável e consciente, algo que vem de dentro de você.
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