A origem e a influência do jazz
Em 2011, Beyoncé Knowles anunciou que seu disco “4” havia bebido nas águas nigerianas do afrobeat e que tinha em Fela Kuti uma de suas maiores influências musicais. Já Tony Allen, o baterista que criou as batidas do gênero, chegou a colaborar em projetos musicais com Damon Albarn, líder da banda britânica Blur.
O afrobeat é um gênero que ganhou popularidade mundial durante a década de 1970, com a obra do multi-instrumentista e ativista político nigeriano Fela Kuti, e, desde então, influencia artistas de todas as partes do globo. É uma leitura de ritmos populares norte-americanos, como o jazz e a soul music, a partir de tradições musicais da África Ocidental, como por exemplo o highlife e a própria cultura yorubá.
Se por um lado o jazz foi muito importante em sua criação e desenvolvimento, por outro, o próprio afrobeat acabou se tornando uma grande influência para muitos jazzistas. Roy Ayers, por exemplo, gravou canções inspiradas pelo gênero e chegou a entrar em turnê na Nigéria com o próprio Fela. Embora os dois tivessem trajetórias bem diferentes, Ayers buscava um certo sentido de espiritualidade e uma consciência e solidariedade racial que conversavam com a obra de Fela e de toda a cena que crescia naquele momento.
Olhar para o hip-hop
Outra forma de observar a influência do afrobeat é olhar para o hip-hop. Assim, sem pensar muito, temos o feat de Missy Elliot e Timbaland, em “Whatcha Gon’ Do”, de 2001, na qual “Colonial Mentality”, de Fela & Africa 70, está presente.
Dá para citar também “I Will Not Apologize”, do The Roots, de 2008, que contém samples de Fela em “Mr Grammarticalogylisationalism is the boss”. Rihanna, por sua vez, lançou em 2007 “Don’t Stop The Music” — com as linhas imortais “Mama-say, mama-sa, ma-ma-ko-ssa”, surgidas originalmente em “Soul Makossa”, da vertente camaronesa de afrobeat representada por Manu Dibango.
“Warrior Song”, uma parceria de Nas e Alicia Keys de 2002, usou ritmos de “Na Poi”, uma composição de 1972 de Fela Kuti. E “Let Nas Down”, de J. Cole, lançada em 2013, contém samples de “Gentleman”, uma composição de Fela & Africa 70, de 1973.
Música nigeriana, tempero brasileiro
Aqui no Brasil existe uma cena de afrobeat consolidada e com sotaque próprio. Há o pessoal da IFÁ, composta por músicos/pesquisadores de Salvador, Bahia, que mistura o ritmo com ijexá e funk. O grupo já dividiu palco com Femi Kuti, um dos filhos de Fela, e contou com a colaboração e parceria de gente do calibre do maestro Letieres Leite.
A Funmilayo Afrobeat Orquestra, por exemplo, é a única banda de afrobeat composta exclusivamente por pessoas não-binárias e mulheres negras. Seu nome é uma referência e homenagem à Funmilayo Kuti, mãe de Fela: professora e ativista dos direitos das mulheres.
Não dá para esquecer, claro, da turma da Zebrabeat Afro-Amazônia Orquestra, que soma o afrobeat a ritmos tradicionais da cultura paraense, como o carimbó e a guitarrada. Ainda nessa pegada avessa a purismos estéticos, há o pessoal da Afroelectro, que coloca o ritmo nigeriano para conversar com o Tambor de Crioula de Taboca, do Maranhão; versos de Cavalo-Marinho, originários de Nazaré da Mata (Pernambuco); passando por cantos de capoeira, até chegar ao candomblé.
Afrobeat e afrobeats: por que um “s” faz diferença?
Atualmente há uma confusão frequente entre duas coisas bem distintas: o “afrobeat” e o gênero muito mais jovem conhecido como “afrobeats”. O primeiro, sem o “s” no final, nasceu na Nigéria na década de 1970 e foi criado por Fela Kuti e Tony Allen. Como já dissemos, é uma mistura de música africana com alguns gêneros norte-americanos: soul e jazz, sobretudo. Em geral, as bandas são grandes, têm cara de orquestra e a ênfase recai sobre o caráter polirrítmico do som, os sopros, a percussão e, com alguma frequência, o conteúdo explicitamente político das letras.
Já quando falamos em “afrobeats” estamos nos referindo a uma cena musical pop que surgiu praticamente na mesma região, principalmente em Nigéria e Gana, no fim da década de 1990, e que se expandiu para o Reino Unido na primeira década do século 21. É um movimento também conhecido como afro-fusion e afropop.
A sonoridade do afrobeats é mais abrangente do que a do afrobeat. Tende a ser uma mistura de Juju (som nigeriano derivado da percussão iorubá), hiplife (a moda ganense de juntar hip hop ao highlife), ndombolo (música de pista congolesa), dancehall, hip hop, R&B e música eletrônica.
É engraçado que, na ânsia de distinguir o afrobeat do afrobeats, muitas vezes os críticos musicais incorrem em um juízo de valor arbitrário e elitista: a ideia de que o primeiro seria um gênero artisticamente sério e respeitável, porque é explicitamente politizado, e o segundo apenas pop — porque se ocupa de lovesongs e de músicas dançantes. O que esses críticos perdem de vista é a ideia de que há uma dimensão inegavelmente política e profunda em uma arte preta que declara que homens e mulheres negros dançam e se amam. Acontece que se hoje o afrobeats cresce a passos largos no pop internacional, essa geração de músicos deve pelo menos um “muito obrigado” à geração de Fela Kuti e Tony Allen, que inaugurou com o afrobeat, há mais de 50 anos, um processo de africanização irrefreável da música pop ao redor do globo.
Por: Gabriel Trigueiro
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